Há já muito tempo que não escrevo aos pais em luto que pesquisam na net umas palavras de coragem e solidariedade.
Tudo que está neste blog é vosso, é o meu sentir e sendo assim pouco mais há a acrescentar do que já escrevi. Compreendo, em cada ano que passa, mais a vossa dor. Estou mais velha, mais frágil e ao mesmo tempo mais forte. Não vos sei explicar esta complexidade de sentimentos onde as interrogações são constantes.
Felizmente, junto a mim, tenho os meus filhos vivos que me amam e me acarinham. Do outro lado tenho a criança que perdi. O filho que não cresceu. O filho que sinto que é o meu anjo, o meu companheiro, quando a solidão, de quando em vez, me bate à porta. É como estar dividida. Continuo a amar a vida...continuo a querer saborear o tempo que me resta amando, vivendo, sentindo este Eu que nasceu comigo e que acabará quando fôr tempo.
O Nuno dá-me alento, dá-me o sorriso de esperança quando olho o mar, o céu, o sol, a lua e as estrelas e principalmente quando vejo as inocentes crianças a brincar... Nelas encontro, por vezes, muitas semelhanças com esse filho que partiu. É a renovação, é o mundo que não pára.
Temos de ter coragem e enfrentar o dia a dia com resignação e esperança no amanhã, vivendo também positivamente cada dia que nos é oferecido. Usar a nossa saudade em energia positiva para sermos úteis mesmo nas coisas mais simples.
Já passaram 31 anos após a morte nunca esquecida deste meu amado filho. Como o tempo passa e como tudo se vai transformando...é inevitável.
Fui convidada a ir à TVI amanhã, 23 de Outubro, ao programa "A Tarde é Sua" de Fátima Lopes. Desejo que numa conversa serena e amiga as palavras que vos dirijo sejam as certas para vos ajudar a suportar tão grande dor. Que o meu percurso ao longo destes anos seja também uma esperança nos vossos corações
Um até breve num abraço de conforto.
Aida Nuno
Perante a nossa grande mágoa, chorar é um comportamento natural que exprime os sentimentos de desespero, revolta e tristeza. A contenção do choro muitas vezes depende da cultura ou mesmo da educação que se tenha tido.
Chorar é mostrarmo-nos de uma maneira mais expressiva. Não reprimir o choro é ter oportunidade de criar um elo com a nossa própria emoção. Através dessa expressão sentida conseguimos conhecermo-nos melhor, uma vez que estamos a extravasar os nossos sentimentos intensamente. Assim suportaremos melhor a angústia que nos quer destruir.
É humana esta necessidade imensa de sentir a dor através do choro. Libertarmo-nos da opressão que sentimos e, quando esse transbordar de lágrimas cessa, chegamos a pensar: “Chega de chorar. Vou encarar a Vida e fazer o meu melhor em memória do meu filho”.
É depois de desabafar através das lágrimas, por vezes, há muito contidas, que se encontra alívio e clareza de espírito para prosseguir e enfrentar o dia a dia, ou seja, o futuro. Fica-se mais sintonizado com as emoções. Há uma libertação saudável do interior para o exterior.
Muitos pais reprimem as suas lágrimas por vergonha de se mostrarem como homens fracos. Nunca conseguiram chorar. Enquanto o não fizerem estão sujeitos a comportamentos compulsivos, medos e manias que acabam por limitar a sua vida fazendo também sofrer os seus familiares.
A nossa dor não passa com o tempo. O tempo só atenua a dor, mas não a cura. A dor só acaba por ir purificando o sofrimento, dura realidade que nos magoa. Apenas e só a consciência do sofrimento é capaz de transformá-lo em serenidade. É preciso aprender a saudade para não acumularmos mais confusão no nosso interior.
O nosso autoconhecimento surge quando passamos a aceitar a nossa fragilidade diante da dor da perda e naturalmente viver com a nossa sabedoria intuitiva de defesa. A dor, como forma de alimento, por muito que me custe dizê-lo, por receio de não ser compreendida, é inútil. É preciso sim unir o pensamento ao sentimento. Saber conviver com o nosso filho perdido, em paz.
Como poderemos fazê-lo? Cada pai ou mãe são diferentes e sendo assim reagem das maneiras mais diversas. Todos eles, no entanto, sabem que têm de prosseguir por si, pelos outros filhos, pelo trabalho que lhes dá a subsistência, pelos seus próprios pais mais idosos e cansados, em fim, um rol de circunstâncias que fazem desesperar mas também incutir a força de reagir.
Que a opressão que muitas vezes carregamos seja aliviada pelas lágrimas. Depois... é bom olhar o céu com todas as suas nuances e acreditar sempre no dia seguinte. Um renascer de esperança e coragem para nos podermos abrir ao amor com todos aqueles que partilham a nossa vida.
O luto por um filho é um processo muito doloroso e que foge ao nosso controle. Não há regras nem certezas. Podemos pensar que estamos bem para encarar o quotidiano mas, inesperadamente, num momento, num olhar, num gesto, num vulto, num sorriso todo o drama surge tão nítido que caímos outra vez no abismo da perda. Acreditem, porém, que cada vez que se erguerem se vão sentir mais corajosos e mais inteiros.
Aida Nuno